Hora de almoço, Nicole Scherzinger está a cantar Black Dog dos Led Zeppelin. Dança espontaneamente e estala os dedos. É um espectáculo magnifico, não só porque tem uns pulmões que rivalizam com os do Pavarotti, mas porque ainda poucas horas antes tinha aparecido no set com olheiras e agarrada a uma almofada. "Babes, estou exausta.", diz quando se senta com um copo de Chardonnay. "Estou a trabalhar no X-Factor há um mês, sem parar. Trabalhamos até de madrugada porque estamos todos dependentes do horário do Mr Cowell. E eu que pensava que era uma diva, até voltar a trabalhar com ele!" Este mês veremos Nicole regressar aos ecrãs como jurada da 14ª temporada do programa, ao lado de Simon, Louis Walsh e Sharon Osbourne. Embora alguns possam argumentar que o painel perdeu algum do seu encanto e energia, Nicole continua entusiasmada. É a jurada que nos bastidores abraça os concorrentes e dá-lhes a mão, e é para ela que as câmaras se viram quando algum deles falha em palco. Porquê? Porque Nicole já passou por isso, já sofreu na pele a rejeição e conhece a dificuldade da luta. Conhece as complicações da fama e o tratamento dilacerante, tanto por parte da industria como dos media. |
Nicole nasceu no Hawaii, os seus pais separaram-se quando ela era ainda muito nova, e mais tarde a sua mãe voltou a casar, refazendo a sua vida no Kentucky. Foi aí que ela percebeu que queria ser cantora. Tinha tanta certeza que ainda na escola primária investigou escolas secundárias que pudessem abrir-lhe caminho para ser aceite na Youth Performing Arts School, em Louisville. Daí seguiu para a Wright State University, e mais tarde foi contratada como backing vocalist da banda de rock Days of the New. Dois anos mais tarde, em 2001 foi a uma audição para o programa Popstars, à qual se seguiu a criação do grupo Eden's Crush. Foi à custa desse sucesso que foi chamada para fazer uma audição para as Pussycat Dolls - depois de ter recusado o convite de will.i.am para se juntar aos Black Eyed Peas.
"Sou completamente diferente hoje em dia do que era quando comecei. Eu era um hibisco delicado e agora o hibisco tem dentes e espinhos". Nesta entrevista Nicole partilha o que gostaria de ter sabido sobre a vida quando ainda estava nos seus 20s.
O que aprendi sobre...DINHEIRO
"Não que tenha crescido num país de terceiro mundo, mas não tínhamos muito dinheiro. O meu pai era soldador, e a minha mãe tinha apenas 18 anos quando eu nasci. Ela teve muitos empregos para me sustentar. Dou muito valor ao dinheiro agora porque vi o quão stressados os meus pais estiveram enquanto eu crescia. Nunca comprava roupas em lojas normais - íamos a vendas de garagem e lojas de roupa em segunda mão. Ainda assim a minha mãe conseguia vestir-me com estilo. Lembro-me da primeira vez que fui a um armazém da Gap [quando era adolescente] onde estava tudo a metade do preço - e ela comentou 'mas quem é que gasta £25 numas calças?'. Ficou realmente chateada comigo.
Para conseguir ir para a faculdade fiz de tudo, trabalhei numa loja de maquilhagem, cantei num restaurante italiano chamado Macaroni Grill. Na faculdade costumava doar sangue para conseguir algum dinheiro. Para comida. Costumava fazer daquelas panquecas que é só juntar água porque me enchiam. Isso fez-me dar valor a tudo na vida. Toda a gente brinca comigo por eu ainda ser muito cuidadosa com o dinheiro. Não tomo nada como garantido. A coisa mais entusiasmante que pude fazer foi comprar a minha casa em Beverly Hills. E logo a seguir comprei uma para a minha mãe no Hawaii, porque sempre disse que tudo o que eu tivesse, a minha mãe teria também."
O que aprendi sobre...O MEU CORPO
"Aceito muito melhor o meu corpo agora. Sempre fui muito crítica relativamente a mim própria, desde muito nova, e quando tinha 14 anos comecei a correr. Ia para a rua a meio da noite e corria porque achava que devia ser mais magra e que as minhas coxas deviam ter determinado aspeto. Quando entrei para as Pussycat Dolls tudo isto foi amplificado porque tinha que mostrar muito o meu corpo. Se olharem para as fotos dessa altura eu era a que usava calças, ou fatos - embora mostrasse os ombros e usasse tops. Mas devemos aceitar-nos mais. Não sejam tão duros com vocês próprios, amem as vossas curvas.
Sofri de bulimia quando era mais nova. Fez-me sentir prisioneira e roubou-me toda a minha alegria, confiança e memórias. Uma grande parte disto aconteceu durante o tempo das Pussycat Dolls. Tenho muitos fãs e nunca quis assumir porque sentia-me envergonhada. É uma doença e sofri durante anos sem que ninguém soubesse. Quando finalmente falei sobre o assunto, percebi que ajudei muitas pessoas. Quando se está sob o olhar do público, tem-se uma voz. Consegui ultrapassar isso e sinto que é um milagre.
Todas as mulheres têm dias bons e dias maus. Ainda no outro dia eu e a Mrs. O [Sharon Osbourne] estávamos a brincar sobre isso, que às vezes acordamos numa pilha de biscoitos e batatas fitas! Mas o que realmente me ajuda é fazer exercício físico. Mesmo que não seja muito tempo, ajuda a manter-me focada e positiva."
O que aprendi sobre...FALHAR
"Tento não usar essa palavra. Falhar não é uma opção, e é por isso que me dedico sempre 110% àquilo que faço. Sempre fui uma perfeccionista - quando era criança, se pintava fora das linhas dos desenhos para colorir, rasgava o papel e atirava-o para o outro lado da sala. No liceu gravei uma demo em cassete e o meu namorado, que estudava fotografia, tirou-me algumas fotos para que, quando fizesse uma audição, tivesse algo para dar - musica, fotos e informações sobre quem eu era. Depois disso, quando tentei obter um contrato a solo, fui para Nova Iorque com a minha cassete tentar a minha sorte, e não consegui. Mas nunca desisti - isso não era uma opção. Por volta dessa altura o will.i.am convidou-me para integrar os Black Eyed Peas - eu conhecia-o do tempo das Eden's Crush. Mas o meu noivo na altura [Nick Hexum] recusou. Ainda bem que ele o fez, porque caso contrário não teria ido para as Pussycat Dolls. Tudo acontece por uma razão, e a Fergie foi perfeita para o lugar.
Trata-se da forma como olhamos para as coisas - quem diz que foi um fracasso? Tudo é uma aprendizagem e estas coisas acontecem para nos guiar até aquilo que nos está destinado. Lembro-me sempre do Walt Disney, que foi a 300 bancos para conseguir financiamento para a sua ideia de Mickey Mouse e foi recusado em todos. Isso não é um fracasso, é uma preparação para a grandeza."
O que aprendi sobre...CARREIRA
"Gostava de ter sabido aproveitar mais o momento quando tinha 20 e tal anos. Estava sempre a pensar no que faria a seguir e como poderia ser melhor. Sou uma pessoa ativa - qualquer um que seja bem sucedido tem que ser, porque as coisas não acontecem por si só. Tem que se olhar em frente e estar em cima de tudo. Quando era criança, não tínhamos dinheiro para aulas de canto ou dança, por isso na escola primária descobri que se fosse para uma escola secundária especifica poderia depois ir para uma escola de artes performativas. Eu queria ir. Amo a minha família e eles têm muito amor para dar, mas nunca tive ninguém para me comprar um carro ou pagar-me determinados estudos. Fiz tudo sozinha, através de trabalho, e isso é gratificante, fazer as coisas acontecer.
Quando consegui um lugar nas Pussycat Dolls disse 'entro para o grupo, mas também quero um contrato a solo'. Eu sabia que era esse o meu sonho. Não imaginei o quão grande as Pussycat Dolls se tornariam. Todos aqueles que já fizeram sacrifícios sabem que temos que fazê-lo por nós próprios. A ambição é incrível, precisamos dela para chegar a algum lugar na vida."
O que aprendi sobre...AMOR
"Temos que nos amar a nós próprios primeiro. Essa é a chave para a verdadeira felicidade. É um bocado cliché, mas não podemos ser felizes com outra pessoa até sermos felizes com nós próprios. E isso é honrar-nos, conhecer-nos e aceitar-nos. Acabei de fazer um workshop [com o life coach Tony Robbins] chamado Unleash The Power Within. Só assim podemos amar outra pessoa. Estou a trabalhar nisso.
É muito fácil perdermo-nos numa relação. E eu perdi-me. Perdi-me completamente às vezes. Não é saudável. Se ouvirem o meu álbum Big Fat Lie vão perceber, porque muitas das minhas músicas são sobre esse assunto. Mas isso não quer dizer que não existam muitas coisas a valer a pena. Se valerem, devemos investir nelas, requer trabalho árduo. Acredito realmente nisso, bem como a minha família - todos acreditamos que quando nos casamos, mantemo-nos casados!"
O que aprendi sobre...DESCRIMINAÇÃO
"Quando comecei foi difícil, porque muitas vezes me atribuíam papeis em função da minha cor de pele ou do meu aspeto. Era muito frustrante. Para eles [agentes de casting] eu não era a típica americana. Cheguei a escrever uma canção sobre isso, I Left A Piece Of Me For You, a qual não cantei durante 20 anos. Ouvindo parece que era sobre uma relação dolorosa, e era, mas sobre a minha relação com a indústria, dizia 'dei-te tanto de mim.' Lembro-me de telefonar à minha mãe e à minha tutu [avó] no Hawaii quando me mudei para Los Angeles e dizer 'Estou farta de LA. Vou voltar para casa'. Mas não voltei, nunca desisti. A música resultou. Mas ao longo do anos tive que conquistar a compreensão e respeito das pessoas por aquilo faço enquanto artista e vocalista.
As pessoas não compreendem que os álbuns das Pussycat Dolls eram os meus bebés - eu fiz tudo, desde a produção executiva aos arranjos vocais. Ainda é frustrante para a minha família e amigos ouvirem pessoas dizer 'Oh, wow, ela sabe cantar?'. Eu estudei a minha arte e há significado, coração e alma em tudo o que faço. As pessoas podem olhar de cima e pensar que sou só uma pop star sem sentido que não consegue cantar. Mas se viessem a um dos meus espectáculos nunca pensariam isso. Sinto que as mulheres têm que trabalhar ainda mais arduamente para conquistar respeito."
Nicole Scherzinger - CV
Trabalhos
2016-presente: Jurada, The X-Factor, ITV
"Consigo criar empatia com os concorrentes porque já estive nessa situação. Mas por causa disso, sou mais dura com eles - sei o que é necessário para serem bem sucedidos"
2016: Voz de Sina, Moana [Vaiana]
"Sempre quis ser uma personagem da Disney. Foi muito divertido estar em estúdio a gravar. Houve uma cena em que eu tinha que soar como se estivesse a correr em direcção à Moana para abraça-la. Fechei os olhos e deixei-me levar pelo momento, acabei do outro lado da sala, longe do microfone. Toda a gente se riu."
2014: Lançamento do álbum Big Fat Lie
2014: Grizabella, Cats, Londres
2012-2013: Jurada, The X-Factor
2011: Jurada, The X Factor USA
2011: Lançamento do primeiro álbum a solo, Killer Love
"Depois das Dolls, gravei tantos álbuns que gostaria de ter dado a conhecer aos fãs. Eram os meus bebés e trabalhei com imensa gente como o Kanye West e o Timbaland. Teria sido bom partilha-los. Foi difícil quando não foram lançados, mas dei algumas músicas a conhecer no Reino Unido."
2010: Vencedora do programa Dancing with the Stars
2009: The Pussycat Dolls interrompem a carreira
2005: The Pussycat Dolls lançam Don't Cha, que consegue o segundo lugar no Billboad Hot 100
"Gostaria de voltar atrás no tempo e aproveitar mais. Aconteceu tudo tão rápido. A Pussycat Dolls são parte daquilo que sou. Gostaria de fazer uma tour, no momento certo - sinto falta de ter um gang de mulheres à minha volta."
2003: Torna-se vocalista do grupo The Pussycat Dolls
"Soube das audições através de minha amiga Anna-Maria das Eden's Crush. Ela pediu para ficar comigo em LA porque ia tentar entrar na banda. Respondi-lhe 'também quero ir à audição!'. Sem ela, não teria feito parte das Pussycat Dolls.
2001: Lançamento do single Get Over Yourself, com o grupo Eden's Crush
"Mudei-me para Los Angeles com as Eden's Crush e tive que crescer muito. Fomos em tournée com a Jessica Simpson e NSync. Aprendi muito e adquiri muita experiência."
1999: Back vocalist na banda Days of the New
Educação
"Comecei a conseguir papeis principais, e os outros outros alunos ficaram 'mas nós não estamos a ter isto'. Falava num tom de voz agudo para ser menos ameaçadora. Queria que as pessoas gostassem de mim."
Youth Performing Arts School, duPont Manual High School, Kentucky
"Sempre me senti diferente, mas aqui, toda a gente aceitava toda a gente."
Bowen Elementary, Kentucky
"Era incrivelmente estranha e tímida. Costumavam chamar-me bebé chorona na escola porque eu era muito sensível. Sensível e perfeccionista - uma combinação tóxica."
Fonte: Cosmopolitan
Imagens da revista: @FashionScherzyW
Tradução/adaptação de autoria de Nicole Scherzinger Fans - Portugal